HISTÓRIA DA PERSIANA

PÉRSIA / VENEZA as Viagens de certas palavras e conceitos

          Pode-se afirmar que a concepção ocidental da persiana está ligada às origens mais remotas da arquitetura moderna, desde que se concorde com Emil Kaufmann e Joseph Rykwert que situam essas origens na nova racionalidade e universalismo surgidos no século XVIII (iluminismo francês). É que o vocábulo persiana, tanto em português quanto em italiano, deriva da expressão francesa persienne, substantivo cunhado no século XVIII (1732), para designar um novo tipo de proteção externa de janela. O termo exprime as observações feitas nos países mesopotâmicos por viajantes e arquitetos precursores da nova tendência iluminista. Em italiano, como em português, persiana constitui, portanto, um galicismo. Já o vocábulo veneziana, em português, para além de qualificar as coisas e pessoas de Veneza, é a tradução literal do mesmo vocábulo italiano que designa um tipo de resguardo interno de janela, outrora muito utilizado nas residências de Veneza. A palavra não existe em francês, com esse significado. A reconstituição dos caminhos percorridos pelas duas palavras e pelos conceitos que lhes corresponderam, desde o Oriente-Médio até os dias de hoje, revela fatos curiosos e interessantes sobre o passado desses componentes arquitetônicos tão corriqueiros. No século XVIII, num momento em que as artes e a ciência européias se abrem para o conhecimento de outras culturas e regiões do mundo (ciclo das grandes viagens e das expedições científicas), difunde-se na França um novo tipo de resguardo externo para as janelas dos edifícios, inspirado em um modelo muito difundido na Pérsia. Era fabricado com lâminas estreitas e paralelas de madeira, dispostas horizontalmente dentro de caixilhos também de madeira, inclinadas para baixo e distanciadas entre si. Essas tabuinhas substituem as folhas lisas ou almofadas de madeira maciça, anteriormente utilizadas. O dispositivo de abertura que os franceses utilizam é o tradicional, com duas folhas articuladas verticalmente às ombreiras e rebatendo para fora sobre as paredes laterais. Na época, o que se batizou de persiana, foi o sistema das réguas de madeira inclinadas e espaçadas, independente do tipo de janela em que fosse aplicado. Esse sistema permitia a ventilação dos ambientes mesmo quando as janelas estavam fechadas, ao mesmo tempo em que protegiam o interior dos cômodos da chuva e da incidência dos raios solares. Nos demais países do Oriente-Médio e do norte da África o tipo de anteparo mais difundido, nessa função de "filtro' da luz e dos olhares, foi a gelosia. Consistia de uma grande ou treliça de réguas de madeira cruzadas, usada como painel fixo ou móvel, em janelas (rótula) ou balcões (muxarabi). Mas o sistema das tabuinhas paralelas não era específico da Pérsia, apesar de ser ali muito difundido. Já os árabes que ocuparam a Península ibérica conheciam um sistema semelhante chamado de ad-daffá ou adafa, traduzido para o português como adula. Esse sistema utilizava réguas de madeira mais largas, fixas ou reguláveis, servindo sobretudo como proteção contra o vento e a chuva. Era usado desde a Idade Média para a proteção dos campanários. O fato é que o sistema aperfeiçoado pelos arquitetos franceses do século XVIII foi bastante difundido em todos os países da Europa Meridional, de clima mais quente, daí sendo transplantados para suas respectivas colônias. No Norte da Europa, inclusive na Inglaterra, conhecem-se poucos exemplos de sua utilização. Em Portugal, também não alcançou uma difusão tão grande quanto na Espanha ou Itália. A forte influência exercida pela Franca nos séculos XVIII e XIV sobre os meios acadêmicos portugueses e italianos talvez explique o fato de nesses países se ter adotado o neologismo francês em detrimento de expressões locais mais antigas. Para complicar um pouco mais essa história, a persienne dos franceses que, afinal de contas, ainda hoje é encontrada na maioria das moradias brasileiras, acabou sendo conhecida aqui como janela veneziana. Provavelmente porque sua difusão no Brasil dependeu menos de Portugal que das influências de construtores e marceneiros italianos. Ao mesmo tempo, aqui acabaram sendo designadas como persianas outros tipos de resguardo de janela, bem diferentes das tradicionais janelas à francesa. Mas o que Veneza tem a ver com tudo isso? Desde a muito utilizava-se na cidade italiana, como proteção das janelas contra o sol, uma espécie de toldo constituído de fasquias (do latim fascia) de madeira ou cana ligadas por cordões ou tiras de tecido, que se enrolavam para cima junto à verga ou projetavam adiante do peitoril, à maneira dos toldos em tecido, conhecidos desde os romanos. Estes últimos alias foram usados em diversos países, ainda hoje sendo bastante difundidos. A particularidade do toldo usado em Veneza, também conhecido como tenda alia veneziana, era ser constituído de lâminas de material rígido, guardando talvez alguma relação com o sistema persa. Afinal, Veneza mantinha estreitas relações com o Oriente, desde os tempos de Marco Polo. Na língua inglesa, por outro lado, venetian blind (anteparo veneziana) refere-se a um tipo de resguardo interno das janelas, fabricado hoje em dia com finas lâminas de alumínio de inclinação regulável, ligadas entre si e recolhidas até a parte superior do vão, por intermédio de cordões de nylon e roldanas. Curiosamente, no Brasil, esse mesmo sistema acabou sendo batizado de ... persiana. O venetian blind, sistema desenvolvido pelos norte-americanos no início deste século e que, na sua versão brasileira mais recente, corresponde às moderníssimas Persianas Horizontais de alumínio, é conhecido na França como store venetian (toldo veneziana), na Itália como veneziana e em Portugal como estore metálico. Apenas os povos de língua espanhola adotaram, como no Brasil, a designação de persiana. Nessa verdadeira epopéia vivida pelas palavras persiana e veneziana ao longo dos tempos, resta ainda um episódio muito importante e ainda mais complicado do ponto de vista etimológico. Desde o final do século XIX, são conhecidos exemplos da aplicação de um novo tipo de resguardo externo de janelas que parece constituir um tipo de desenvolvimento da tenda alia veneziana distinto do venetian blind americano. Trata-se de uma espécie de esteira bastante robusta, constituída por réguas de madeira justa postas e articuladas entre si por meio de grampos metálicos, e podendo ser levantada ou abaixada através de um cadarço associado a um eixo encaixado por trás da verga. Em seu deslocamento vertical a esteira é guiada por trilhos de perfil metálico que atuam ao mesmo tempo como caixilho. Inicialmente restrita aos movimentos verticais contidos dentro da moldura das janelas, essas esteiras evoluem para um sistema de abertura mais complexo, combinando o deslocamento vertical com a projeção da base para o exterior, a exemplo dos toldos. Muito difundidos na Franca a na Itália, sobretudo nas primeiras décadas deste século, aí ficaram conhecidas como store ou volet rouiant e persiana avvolgibile (toldo e persiana de enrolar), respectivamente. Praticamente desconhecido nos países anglo-saxônicos e nórdicos o sistema alcançou enorme difusão no Brasil sendo inicialmente chamado apenas de veneziana e mais tarde de persiana externa de enrolar.

 

As Venezianas de Enrolar na Arquitetura Européia

As Venezianas de enrolar aparecem na Europa, desde o final do século XIX, dentro do contexto da Revolução Industrial que enseja grandes avanços na mecânica e na metalurgia, com reflexos importantes sobre a construção dos edifícios. Na mesma época em que as tradicionais persianas de madeira começam a ser substituídas por similares em aço com dispositivo de abertura em sanfona, a indústria da construção na Europa consegue desenvolver esse sistema de esteiras-venezianas de enrolar que, para a época são expressões de uma grande sofisticação. Originalmente, construídas com lâminas de madeira ou de aço pintadas e dispondo de mecanismos simples de eixo, cadarço e roldana com mola embutida, continuaram sendo especificadas com essas características básicas por alguns dos maiores arquitetos deste século. Um dos mais antigos e notáveis exemplos da utilização da veneziana de enrolar é encontrado em 1903 no famoso prédio de apartamentos da Rua Franklin, em Paris, de Auguste Perret, curiosamente um dos primeiros edifícios a serem construídos em concreto armado. A veneziana de enrolar colabora, nesse caso, com um dos propósitos básicos do projeto que é o de obter a máxima insolação possível através da fachada principal, assegurando ao mesmo tempo a condição de intimidade requerida por um programa residencial urbano.

 

 

O DESENVOLVIMENTO DAS PERSIANAS DE ENROLAR NO BRASIL

Um dos primeiros e mais marcantes exemplos de utilização da veneziana de enrolar no Brasil, só poderia ter vindo de um arquiteto com profundas ligações com a Europa. Trata-se da Casa Modernista da Rua ltápolís, de Gregori Warchavchik, de 1930. Warchavchik tinha experimentado a solução na Residência Max Graf, à Rua Melo Alves, de 1929. Na casa da Rua Santa Cruz, inaugurada em 1928, ele utilizara toldos de tecido, com um resultado próximo do das venezianas quando vistos de longe. O arquiteto gostava de fotografar suas casas, com as venezianas abertas e projetadas para o exterior. A posição inclinada dos painéis, ressaltada pela cor vermelho vivo em que eram pintadas suas lâminas de madeira, resultava um aspecto surpreendente e inovador para a época. Outra obra pioneira que integra com originalidade o dispositivo da veneziana basculante de enrolar é o Edifício Esther, em São Paulo, de Alvaro Vital Brazil (1936). Um dos arquitetos que mais freqüentemente se serviu das venezianas de enrolar em madeira foi Rino Levi, igualmente formado no ambiente arquitetônico italiano dos anos 20. Desde seus primeiros projetos, como o Edifício Columbus de 1932, a solução da veneziana de enrolar basculante é incorporada por sua versatilidade e adequação às exigências dos espaços de caráter mais íntimo. No projeto de 1948, de um prédio de apartamentos para a Companhia Seguradora Brasileira, em São Paulo, a plasticidade das elevações principais é toda ela determinada pela alternância da altura das venezianas, somada ao ritmo variável das projeções das mesmas para o exterior. Nos anos 40 e 50, grande parte da arquitetura residencial corrente de boa qualidade construída no Brasil, adota a solução da veneziana basculante de enrolar. Influenciados, entretanto, pelo estilo de Le Corbusier e pela moderna arquitetura norte-americana, grande parte dos expoentes do modernismo brasileiro abandonam esse dispositivo de proteção das janelas em prol dos brise-soleil e das venezianas em guilhotina ou de correr. Nos anos 50, com a entrada em operação das primeiras fábricas de alumínio no Brasil, surgem novas possibilidades de desenvolvimento para a indústria da construção, particularmente no ramo de esquadrias e dispositivos quebra-sol. Mas ao passo que as indústrias americana e européia diversificam os seus produtos, combinando componentes e aperfeiçoando mecanismos de acionamento, a indústria brasileira permanece tímida, possivelmente limitada por questões de custo e de escala de produção, como já se relatou com referência aos brise-soleil.

 

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PERSIANAS INTERNAS

No início do século revelou-se o surgimento de duas novas versões desses dispositivos móveis de proteção contra o sol, herdeiros de uma milenar tradição arquitetônica: a veneziana externa de enrolar e a persiana interna regulável e retrátil. Permitiu-nos acreditar que a veneziana externa de enrolar seja uma inovação eminentemente européia, nenhuma informação que contrarie a origem norte-americana da moderna persiana retrátil pôde ser encontrada. A prova mais convincente da origem norte-americana da moderna persiana retrátil está no pioneirismo de sua utilização em residências e edifícios de escritórios daquele país, fato documentado por revistas como "Architectural Forum" e "Architectural Record" desde a primeira década deste século. Os periódicos especializados europeus não revelam no mesmo período nenhum exemplo notório do uso da persiana. A persiana retrátil de lâminas horizontais, como forma de proteção contra o sol, encontra nas regiões mais quentes dos EUA um terreno propicio para a sua disseminação. Os estados sulistas, marcados pelo elemento cultural africano e, em algumas áreas, por precedentes da colonização francesa, além das cidades costeiras da Califórnia, habituadas a presença mexicana e chinesa, oferecem requisitos mais que suficientes para justificar o desenvolvimento desse novo dispositivo arquitetônico. Lembramos apenas, que os toldos venezianas de enrolar, semelhantes às modernas esteiras de madeirinha, possuíam origem oriental e que tanto a arquitetura hispânica, quanto a arquitetura colonial francesa, faziam uso abundante de diferentes tipos de treliçados e venezianas, como forma de resguardo de janelas, portas e varandas. De início, utilizada indistintamente como resguardo externo ou interno de janelas a primitiva persiana norte-americana foi batizada de "venetian blind" (ou anteparo veneziano). Era fabricada com lÂminas abauladas de cedro natural ou pintado a óleo, de 5 a 7 cm de largura por 4 a 5 mm de espessura. Apesar de relativamente leves, as lâminas eram sustentadas por tiras de lona reforçadas, presas às suas bordas que, além de mantê-las distanciadas entre si, respondiam pelo movimento típico de rotação que proporciona o controle de abertura e fechamento dos vãos. Essa primeira versão da persiana de lâminas horizontais tornou-se bastante difundida nos EUA a partir dos anos 20 e 30, sobretudo com o desenvolvimento dos edifícios de escritórios cada vez mais depurados de ornamentação, com fachadas rasgadas por grandes vãos envidraçados e espaços interiores definidos por divisórias leves que também utilizavam o vidro. Uma das principais fontes de documentação desse uso da persiana são os filmes norte-americanos rodados ou ambientados nessa época, dentre os quais destacaríamos "Chinatown", de Roman Polanski, de 1974, "O Falcão Maltês", de John Houston, de 1943 e "Os lntocáveis", de Brian de Palma, de 1988. Escritórios de advogados, detetives, redação de jornais e departamentos de polícia são alguns dos ambientes típicos desses polares do tempo da Lei Seca. Em 1931, a revista "Domus" publica como sugestão de arranjo decorativo, uma composição interna de janela com persiana horizontal enquadrada por ‘bandeaux’ em tecido drapeado e mobiliário de estilo. O fato é revelador do alcance atingido pela inovação, mas igualmente da hesitação com que a mesma era incorporada aos hábitos decorativos europeus. Apesar disso, tornou-se moda ao final dos anos 30, importar dos EUA as famosas persianas com palhetas horizontais de madeira, que decoraram algumas residências ricas da Riviera mediterrÂnea e até mesmo do Rio e Janeiro. Somente a partir da Segunda Guerra, com o crescimento da influência norte-americana sobre a Europa, mas sobretudo com o desenvolvimento da fabricação do alumínio, que a indústria bélica facilitara, é que a "venetian blind" se difunde efetivamente como solução incorporada aos conceitos de leveza, flexibilidade e praticidade da nova avalanche construtiva. Novas configurações (lâminas verticais) e componentes foram desenvolvidos. Variações quanto à forma de acionamento das palhetas foram patenteados e novos materiais foram experimentados na sua fabricação (laminados, plástico, aço, etc). Mas o alumínio revelou-se a escolha ideal principalmente em virtude de sua leveza, que facilita o manuseio freqüente para os movimentos de abertura e regulagem da insolação. O sucesso comercial das persianas horizontais está em parte, ancorado nas imagens que o cinema, a fotografia e a pintura impregnaram nas gerações pós-guerra em todo o mundo.

Bibliografia: Internet, vários sites de decoração.